Treino de combate – Validar o quê?
(Ou “O homem que usou um guarda-chuva para parar uma pedra…”)
Desta vez, começo sem qualquer ironia em relação ao tópico e, portanto, indo directo ao assunto. Em forma de regra, defendo o seguinte:
“Para eu saber se aprendi determinado ofício, tenho de o colocar em prática”.
Isto parece óbvio e análogo a qualquer actividade desportiva ou a qualquer arte que se escolha.
É assim no futebol, no golfe, no boxe, na natação, na fotografia, na carpintaria, na matemática, …enfim, mesmo na ciência – aprende-se e faz-se!
Mas este «facto» não é óbvio na grande maioria do mundo das artes marciais e, muito menos, nos seus derivados mais ou menos modernos… Se o leitor não sabia disto está com certeza admirado!
Coisa que me preocupa imenso: temos vindo a assistir a uma distorção permanente, a um abuso dos termos e uma destruição das artes de luta. O problema começa nos treinadores.
Há duas coisas que as pessoas confundem bastante: ter aprendido (saber – SER) e ter aulas (teorizar – TER).
Aprender, no meu dicionário e de acordo com a psicologia da aprendizagem, significa ser capaz de depois conseguir fazer – de conseguir aplicar, usando a sua expressão pessoal. Ter aulas é apenas um passo para esse conhecimento.
Mas no sentido contrário, o treino (e a aula) é muitas vezes validado de forma completamente incoerente. Ou seja… não é validado!
Claro está, que muitos alunos procuram aulas por diferentes motivos, mas isso não significa que a arte tenha de se vergar para entreter o menino ou a menina (tal como escrevi no artigo passado). Se isso acontece, diz já muito…
Volto aqui à questão das “salas cheias” servirem como argumento (falso) de qualidade!
Para aqueles que pensam que audiência é validação, eu digo que há aí um grande equívoco. A audiência é uma medida de validação do show, do espectáculo, do artista, do evento e da força de uma crença. Se muitos vão ver o artista, é porque o artista é bom. Casa cheia, significa um bom espectáculo. Igreja cheia significa muitos crentes – idolatria (mas não que Deus existe). Nada disto diz sobre a qualidade do que realmente se aprendeu, apenas diz da capacidade de captação de alunos desse artista ou grupo.
Para aqueles que pensam que suar é validação, eu digo que há aí um equívoco também. Se quer perder peso, porque não procura outras actividades com mais resultados nessa área? Porque procurar uma arte de combate?… não bate certo.
Para aqueles que pensam que a cosmética (dos equipamentos, dos certificados, uniformes, adereços vários, calças militares, «banners», slogans, fotos «tacticool», …etc), é validação, eu digo que isso é obviamente uma falsa-lógica; mais do lado do marketing de Hollywood do que do lado de algo válido.
Para aqueles que pensam que gritar, bater bonito em sacos, pneus e plastrons, ter dezenas de técnicas, ter graduação e partir tijolos é sinónimo de saber lutar, eu digo que “os tijolos não respondem”….
Para aqueles que gritam na internet sobre o estilo A ou B ser o “melhor”, o “original” e o “mais eficaz”, eu digo que mais uma vez estão enganados. Podem gritar à vontade, pois a única forma de o provarem é lutando com o que ensinam e no contexto que apregoam. E quanto mais lutarem menos gritam… faz bem à garganta…
Lutar tem ciência. Ciência sem aplicação é uma hipótese por confirmar…
Se confia cegamente no seu sistema, sugerimos determinadas actividades (p.ex. o Gracie Jiu-Jitsu, a FMA-P) que oferecem a oportunidade de qualquer um testar o seu estilo e capacidade em contacto pleno (full-contact).
Bom… em jeito de conclusão final.
Ter casa cheia, fazer amigos, ser «fit», ter vídeos, fotos, cosméticas especiais, certificados na parede, ter um estilo ou gritar na internet – tudo isso é permitido (talvez!) como consequência e não como razão.
A consequência do respeito pela arte da luta. Com provas de luta, dadas por alunos, instrutores e mestres em suas áreas de especialidade.
Não há, creio, outra forma de deixar de ser teórico ou mentiroso. De dizer com orgulho que “o que se treina aplica-se” !!!!
Claro que há muitos instrutores mal formados que infectam os alunos. Mas esse não é um problema: o problema é não se quererem formar! … Tal como qualquer doença, exigem primeiro diagnóstico para chegar à fase terapêutica.
Há, contudo, oportunidade para o fazerem… assim o queiram. Assim sejam humildes.
Partilhando com todos os interessados as minhas reflexões e agradecendo a leitura, despeço-me com uma frase do meu amigo.
Espero por comentários e “enfios de barrete”…
Orgulhem-se da vossa própria ARTE, respeitando-a!
“Há quem pense ser o macho alfa, mas na realidade continua a ser a fêmea beta”
João Santos – Gracie Lisboa BJJ
Um abraço,
Pedro Silva
FMA-P
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