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“Defesa-pessoal sem limites?”

Por Pedro Silva

Pergunta: Será que os poderes militares mais avançados do mundo ao longo da história ainda não perceberam que saía mais barato ir treinar mãos-vazias 2x por semana?

O cultivo da defesa-pessoal com mãos-vazias veio para ficar nas Artes Marciais (AM). Isso não é de agora. É uma «moda» antiga. Tão antiga como a interdição de uso das armas aos civis.

Essa interdição fez com que o uso das mãos-vazias em AM fosse cada vez mais frequente e, no início do séc. XX ganhasse o seu lugar e força; que se mantém até hoje.

Acha-se muito depressa que com mãos-vazias o sujeito(a) se desfaz do mais hábil dos atacantes, esteja ele desarmado ou armado; seja ele um ou vários. O cinema ajuda na criação desse mito. Uma fantasia que felizmente só é quebrada às vezes, por experiências reais menos felizes.

O que é importante reflectir (e é objectivo deste artigo) é que as célebres “mãos-vazias” são uma ferramenta extremamente limitada no que toca à segurança-pessoal de cada um. Porquê?

Usemos a lógica e o contexto: o que a História nos ensina é que todos os diferentes exércitos até hoje perceberam a necessidade de ter uma vantagem no confronto. Essa vantagem passou sempre pelo uso de armas (como é ainda hoje nas guerras). Armas essas, de preferência, superiores às do inimigo. Armas que foram evoluindo, como se sabe, acompanhando os avanços tecnológicos. A criação da espada e das armas de fogo, até às modernas bombas, não são mais que invenções humanas para ter vantagem sobre outros humanos.

Partindo desta lógica de vantagem/desvantagem, as mãos-vazias perdem a sua eficácia perante a superioridade de armas do oponente. Pode treinar a sério, ser duro, saber fazer muitas técnicas, ter 20 ou 30 anos de experiência, mas… em desvantagem as suas possibilidades são mínimas.

Não há impossíveis, mas a dificuldade em sobreviver diminui quanto maior, mais pesada, mais treinada, mais numerosa e mais armada for a força oposta.

Força essa, que não pode ser conhecida previamente num infeliz encontro de “defesa-pessoal” e que, portanto, não pode ser abordada (refiro-me aos métodos de treino) ao jeito do adivinho que tudo sabe antes de acontecer.

Isto é lógico.

Então, porquê treinar mãos-vazias?

Isso não sei! É com cada um.

Para mim, sobretudo por prazer, mas com o cuidado de colocar entre parêntesis quando se fala em defesa-pessoal e em eficácia 100%. A única coisa 100% é o conhecimento dos tipos de combate, saber quando se pode e deve ou não lutar.

Ouve-se muito neste meio: “Invista na sua própria segurança”, “Não seja vítima”, “Eficácia…”, “Realismo…”, etc, etc, etc… As AM e os seus «filhos» mais modernos (sistemas, métodos, conceitos, revoluções, modernices e versões de fins-de-semana), repetem estas orações até se tornarem verdade.

Convencer-se a si mesmo que se é uma arma (seja em que arte for, inclusive nas FMA) é, na minha opinião, uma coisa muito irresponsável e delirante.

Mas as Leis sucessivas impostas pelos países foram transformando as opções de defesa-pessoal do cidadão. O uso de armas de impacto, de corte, de arremesso e de fogo está vedado, como se sabe, à população civil. Dentro da Lei, sobrou-lhe as mãos-vazias.

Como é que isto casa com as Artes marciais?

A resposta é óbvia: obrigou as AM a manterem-se como um depositário histórico de tradições de combate, de artes da guerra, onde o prazer está, por um lado em reviver essas mesmas artes e torná-las modernas sem esquecer a sua origem; e por outro em tentar superar obstáculos, evoluindo no seu conhecimento e desenvolvimento pessoal. Há um prazer individual em cada um dos praticantes, trazendo por acréscimo benefícios físicos, sociais e psicológicos.

Mas sempre sem esquecer que há limites. Que as AM não são (ou não deviam ser) um veículo de fantasias, mas sim de realidade. E a realidade é humilde e cruel. Se assim não for, como podemos ser saudáveis?

Obrigado pela leitura e até ao próximo…